Nathália Dimambro, editora da Seguinte, fala sobre os bastidores do livro e todo o processo que leva as histórias literárias para as prateleiras
Por Willians Glauber
Sentar para falar de literatura com a Nathália Dimambro é um verdadeiro deleite, ela é uma apaixonada pelos livros, fala sobre eles com brilho nos olhos.
Tanto que, sem querer, ao longo da nossa conversa, por diversas vezes ela indicava leituras que considera essenciais para quem gosta de ler.
Quando nos encontramos em uma noite de semana, aqui em Pinheiros, na cidade de São Paulo, nem imaginávamos que o bate-papo sobre literatura renderia tanto.
Convidei a Nathália pra falar sobre como é ser uma editora de um dos maiores grupos editoriais do mundo e o tema trouxe tanta, mas tanta pauta interessante, que você vai ter que se preparar para o textão.
Bom, só pra você conhecer um pouco melhor a Nathália: ela se formou em editoração pela Escola de Comunicações e Artes da USP, um curso que só disponibiliza anualmente 15 vagas.
Logo no primeiro ano de faculdade ela conseguiu alguns trabalhos de serviços editoriais, e no terceiro fez estágio na Editora Biruta, especializada em livros infantis e juvenis. Mas a vontade de trabalhar com os títulos dessas faixas etárias vinha de muito antes.
Nathália mal sabia que todo o caminho desde o primeiro livro infantil que abriu na vida a aproximaria cada vez mais da função que ocupa hoje, a de editora do selo jovem de um grande grupo editorial.
Assim, as histórias infantojuvenis continuam sendo parte imprescindível de lista de leituras dela.
Em 2012, ela entrou como estagiária na Companhia das Letras, dando suporte a três novos selos que estavam sendo gestados. Um deles era a Seguinte, do qual hoje Nathália é editora.
Depois do estágio na Companhia, ela teve a oportunidade de passar pelo departamento de edição de texto, e ali aprendeu todas as minúcias de trabalhar com o texto que vai parar nas mãos dos leitores, o que a ajudou a desenvolver um olhar apurado, exigente e atento à forma e ao conteúdo dos originais que passaria a receber como editora nos anos que viriam.
O selo Seguinte, criado em 2012, se tornou a casa de dezenas de livros queridinhos entre os fãs de Young Adult, o famoso YA, nomenclatura que classifica as histórias voltadas para o público com faixa etária por volta de 12 a 17 anos.
Entre os títulos mais famosos lançados pelo selo está a série literária A Seleção, da escritora Kiera Cass, que inclusive lançou em maio de 2020 o novo romance A Prometida. A capa da versão brasileira é inédita, original e foi produzida pela Seguinte.
Em 2019, a Seguinte publicou 15 títulos, entre eles três nacionais, um cenário que Nathália está lutando para equilibrar.
Ela me disse que a intenção do selo é publicar cada vez mais autores brasileiros, já que o público quer se ver representado nas histórias.
Na nossa conversa, falamos um pouco sobre quem é esse público, o processo que envolve a publicação de um livro, os desafios de ser uma editora e tantas outras coisas que todos os amantes de literatura, aspirantes a autores e escritores na ativa sempre quiseram saber.
Afinal, o que faz um editor e como se dá o processo de produção de um livro?
O editor é quem faz a ponte entre o autor e o leitor. Ao longo do processo de produção do livro, é ele quem toma as decisões, sempre em contato direto com o autor ou o seu agente.
A produção do livro começa quando o editor manda o texto para tradução [no caso das obras estrangeiras]. Depois, ele faz uma primeira análise desse texto e manda para a preparação (também chamada de copidesque), já com algumas orientações. O preparador lê tudo, bate com o original, faz uma conferência e trabalha o texto para garantir que soe natural para o público-alvo, que no caso da Seguinte são os adolescentes. Isso envolve, por exemplo, se atentar para gírias, expressões, diálogos.
Quando é um livro nacional, tem muitas idas e vindas, primeiro com o editor e, quando ele acha que o texto já está redondo o suficiente, vai para a preparação. Em seguida, o autor vê as sugestões de emenda, e também faz suas edições. Só depois que o autor aprova tudo o livro segue para a diagramação.
Alguns anos atrás aconteceu uma reorganização interna na editora: atualmente há um departamento de edição de texto, mas que cuida só dos selos adultos. Nos selos infantil e juvenil, a gente [do editorial] é que faz a edição de texto. A gente se divide, cada um pega um livro e faz.
Depois de trabalhar no departamento de edição de texto fui promovida a editora, continuei editando os textos da Seguinte e passei a fazer as aquisições também.
Aquisições? O que isso significa exatamente?
Selecionar os títulos e negociar os direitos de publicação, seja dos livros estrangeiros ou dos nacionais. É um processo contínuo, a gente está sempre avaliando livros e [ao mesmo tempo] editando o que já comprou.
A gente pede livros ou sinopses para avaliar para editoras estrangeiras ou agentes literários, normalmente é com o agente [que falamos]. É ele quem representa o autor.
Hm, interessante. Usando um exemplo prático e que se tornou queridinho dos leitores: Vermelho, branco e sangue azul seguiu esse processo?
Esse era um caso de livro que já estava fazendo sucesso lá fora, mas é um caso raro, porque aqui por algum motivo ainda não tinha sido comprado. Todo mundo no selo se empolgou, montamos a oferta, eu mandei e nós conseguimos garantir a publicação no Brasil. E tinha outras editoras [brasileiras] interessadas também.
Você, enquanto editora, tem contato direto com esses agentes?
Sim, o tempo todo. Eles mandam e-mails apresentando os livros, a gente vê o que interessa ou não e nessa parte temos muita ajuda dos scouts, os olheiros. A Companhia trabalha com dois escritórios, um em Nova York e outro em Londres. E são eles que ficam vendo o que está quente no mercado. Não é o que está quente nas livrarias, mas entre os agentes, é em um estágio muito anterior.
Acaba sendo um filtro para ver o que é mais promissor. Eles leem os originais muito rápido e mandam pareceres para a gente. Nós confiamos muito na opinião desses scouts, mas acontece também de eles amarem livros que aqui a gente lê e chega à conclusão de que não devemos publicar.
Muitas vezes a gente avalia o original quando nem sabe qual editora vai lançar o livro [lá fora]. Às vezes nem foi publicado, mas já sabemos que tem um leilão entre as editoras disputando a obra. E quando a gente lê, gosta e quer lançar esse livro no Brasil, eu faço uma oferta por esses direitos.
E existe um departamento que te assessora nisso?
Sim, tem um departamento de direitos [autorais] que assessora toda essa etapa e depois cuida da parte de negociar o contrato e dos acertos financeiros relativos ao livro, como o pagamento de direitos autorais.
Quando a oferta é aceita a gente vê cláusula por cláusula desse contrato. E na Companhia a gente usa o mesmo modelo da Penguin [Random House, maior grupo editorial do mundo e detentor de 70% da Companhia das Letras]: o próprio editor negocia os valores dessa compra de direitos.
O tema agente literário entrou nessa nossa conversa e eu já estava preparado pra te fazer uma pergunta sobre o assunto. O mercado brasileiro ainda está engatinhando nesse sentido, mas em países da Europa e da América do Norte, por exemplo, é impossível ser publicado sem ter um agente.
É raríssimo. A profissão está muito mais estabelecida e reconhecida, nos EUA é de praxe um autor ter um agente. Antes de procurar uma editora ele precisa de um agente, porque as chances de conseguir publicar sem ter um são nulas, praticamente.
Essa é uma prática que está se profissionalizando cada vez mais e começando a se tornar mais bem-aceita culturalmente na produção literária brasileira. As pessoas estão entendendo que precisam de um intermédio e que não é demérito ter um agente.
Pelo contrário, o agente está ali para defender os interesses do autor.
As agências literárias no Brasil, em comparação às mais antigas nos EUA, por exemplo, estão no caminho certo?
Acredito que sim, o problema é que alguns anos atrás havia pouquíssimas agências. Hoje isso está crescendo bem mais.
A Página 7 é um bom exemplo de agência literária que vem ganhando bastante força no mercado, né?
Ela tem algo interessante, que é não só cuidar da parte burocrática de negociação com as editoras, mas também fazer uma primeira edição do texto ou pelo menos fazer sugestões para o autor. As agentes têm bastante experiência com YA [Young Adult], leram muito, sabem o que as editoras procuram, conseguem identificar problemas já no primeiro rascunho que o autor faz.
E o texto chega mais trabalhado para o editor, o que é uma grande vantagem. Muitas agências não fazem isso, só cuidam da parte burocrática. Essa parte de ter uma discussão com o autor sobre o texto é bem importante.
O perfil de agentes literários é bem parecido, ou são antigos editores, ou vêm de editoras. Quais são as agências mais fortes hoje no mercado? E quais aquelas que têm potencial de se tornarem importantes no país?
A mais conceituada hoje é a Riff, com vários autores que são grandes clássicos da literatura brasileira. Na minha opinião, a Página 7 [especializada em literatura YA] está fazendo um trabalho incrível; a Alessandra Ruiz, que começou com a Authoria, também tem muito potencial, está com vários nomes fortes.
Você acha que ainda tem um mercado receptivo para novos agentes literários?
É preciso surgir mais, diversificar, dar mais oportunidade para mais autores. Foi criada há pouco tempo também a Magh, focada em ficção científica, fantasia e terror, estão aparecendo várias, felizmente.
E se a gente analisar esse setor tão fértil e propício a crescimento, o mercado editorial brasileiro não está morrendo, pelo contrário.
Não, o que aconteceu foi uma crise econômica das grandes redes de livrarias, relacionada à má gestão e decisões de negócio ruins. Um modelo que se provou ineficaz. Acho que essa crise deu um chacoalhão nas editoras.
Talvez essa crise tenha alertado as editoras de que é preciso tomar cuidado para não ficar tão dependente das grandes livrarias, e cada vez mais procurar outros canais de venda também.
Estreitar os relacionamentos com os livreiros pequenos, procurar canais de venda direta, seja em feiras literárias ou outros eventos onde antes nem se pensava em vender livro. Acho que teve muito esse movimento de “ok, se a gente não consegue chegar no leitor por meio dessas grandes redes, então como a gente vai chegar?”.
Você consegue enxergar outros modelos de negócio que as editoras não estavam explorando tanto e talvez possam ser mais explorados no futuro, como a venda sob demanda, por exemplo. Mas também precisamos entender para qual tipo de livro esse recurso funciona.
Se o leitor já conhece e quer aquele título, é muito interessante, mas e para os novos? Como a gente vai fazer para o leitor saber que esse livro existe? Nesse quesito, os pontos de venda são importantes. Para um livro que está esgotado há muito tempo, é ótimo você poder colocar sob demanda, porque mantém esse catálogo ativo, atende uma demanda que existe, por mais que seja pequena. E tudo isso sem ficar com um monte de livros parados no estoque.
Quando estávamos conversando agora há pouco, antes de começarmos a gravar, você me disse que o mercado editorial é muito feminino, mas que incoerentemente ele é machista. Como pode isso?
Quando você começa a trabalhar no mercado editorial, você percebe: é muita mulher. Só que, quanto mais você sobe na hierarquia, menos mulher você encontra.
O mercado editorial é machista assim como todos os outros, por conta de construções sociais e estereótipos de gênero. Quando pesquisei sobre a mulher no mercado editorial para o meu TCC, constatei que as mulheres acabam ficando em cargos de assistente, porque são associadas ao cuidado e à atenção ao detalhe, características que a sociedade julga como tipicamente femininas.
Já dos homens espera-se que sejam criativos, tomem decisões e tenham “perfil de liderança”, aí acabam alcançando funções gerenciais com mais facilidade.
E indo mais para o digital, quando a gente fala de e-book e livro impresso existe um certo senso comum de que os jovens leem mais versões digitais. Isso faz mesmo sentido na realidade e como você enxerga o comportamento do leitor atualmente?
Acredito que no geral os dois formatos convivem e se complementam. Em determinada circunstância o leitor vai preferir o digital ao impresso, porque tem a vantagem de ser mais fácil de carregar, ou para livros de estudos. No caso do público jovem, por enquanto o digital não é muito representativo.
O leitor jovem tem essa característica de que ele se envolve muito e é muito fã daquilo que gosta. Então a gente entende que ele quer ter a edição impressa para deixar na estante. Quando ama o autor ou uma série [de livros], o leitor vai querer ter o impresso. E para o jovem, a compra pela internet pode ser mais difícil. Se ele tem o dinheirinho dele, vai na livraria, numa bienal e compra o livro físico.
Aproveitando o gancho: como a Seguinte lida com a lógica de divulgação dos livros? Existe uma preocupação de conversar também com os pais? Porque o público YA não tem a independência financeira para comprar o que quer.
No YA a gente fala mais diretamente com o leitor, porque aí vai ser função dele convencer os pais a comprar. Mas normalmente é o próprio jovem quem escolhe o que quer ler.
Agora quando a gente vai lançar livros para a faixa etária de 8 a 12 anos, aí sim temos uma preocupação maior de falar com os pais e com os professores, porque nesse caso nem sempre é o adolescente ou a criança que vai escolher o que ler.
E quanto ao papel da editora nessa conversa com o leitor?
Nos últimos tempos, as editoras tomaram muito mais para si essa função. A força das redes sociais ajudou as editoras a criarem uma conexão direta com os leitores, porque a gente fortalece a marca.
Você reúne leitores que seguem a Seguinte nas redes sociais, conhecem o catálogo, acompanham, ficam muito mais perto do processo e começam a se interessar mais pelos livros. No fim, você cria uma marca que vira um selo de qualidade.
É engraçado, né, a sua profissão era algo muito invisível, as pessoas acabavam vendo só o escritor.
Ou nem entendem o que são as editoras. Até hoje acho que ainda podemos melhorar, o público precisa entender melhor o que é uma editora, que existem selos dentro dela.
Essas divisões são muito mais para a gente se organizar internamente do que para o público. Na Bienal isso acontece muito, as pessoas procuram o estande da Seguinte e estranham que ele está dentro do [estande] da Companhia [das Letras].
Você acredita então que entender a máquina editorial é relevante para o leitor?
Sim, com certeza. A gente até fez no YouTube uma série de vídeos, que chama “Do autor ao leitor”, que é justamente explicando passo a passo a produção de um livro, desde o autor até chegar no leitor.
Depois de 3 anos conseguimos terminar. [O último vídeo foi ao ar na semana da entrevista.] E realmente as pessoas não sabem o tanto de trabalho que envolve fazer um livro e o tanto de pessoas [envolvidas] nesse processo.
Porque na realidade a pessoa não está comprando só o livro, né? Mas o que está ali por trás dele também.
As redes sociais, os eventos, esse contato direto com o leitor serve muito também pra despertar o interesse. O livro tem uma peculiaridade que não é como sabão em pó, que se você compra uma marca não compra outra.
Então a partir do momento que você cria uma comunidade leitora, ela vai comprar um livro jovem adulto da Intrínseca, da Seguinte, da Galera Record. Não é tanto você provar por que seu livro é melhor do que o da concorrência, é mais despertar interesse pelo seu livro e formar uma comunidade leitora.
Uma iniciativa como a FLIPOP faz parte dessa vontade de construir essa comunidade leitora?
Sim, cem por cento, é um esforço nosso de “vamos criar esse ambiente, vamos nos unir, pra fortalecer a comunidade”. Não é uma bienal aonde você vai comprar livro com desconto, a proposta é aproximar os leitores das editoras e dos autores, construir um ambiente mais próximo.
Tanto que não chama Festival da Seguinte e sim FLIPOP, uma feira para a literatura pop, para todos. E a cada ano fomos aumentando a quantidade de editoras parceiras. Na primeira edição a gente queria mostrar que o projeto daria certo, que era possível, e usar aquilo para fazer a ideia crescer depois. [Em 2020, a FLIPOP chega à 4ª edição e por conta da pandemia o evento acontecerá a de maneira on-line, transmitido ao vivo pelo YouTube da editora Seguinte.]
E nesse processo de planejar como essa comunidade vai sendo construída por meio da divulgação, você enquanto editora tem um papel ativo?
Tem uma pessoa dedicada apenas ao marketing, mas é tudo conversado, nós do editorial também damos várias ideias. Se o livro precisa de uma força maior nos pontos de venda, por exemplo, pensamos juntos em algum material de divulgação. É um trabalho conjunto, o marketing propõe muita coisa, mas a gente também ajuda, é uma grande parceria.
Falando da logística na prática: na hora de levar um livro para a gráfica e colocá-lo à venda, é mais trabalhoso um estrangeiro ou um de autor brasileiro?
Brasileiro, com certeza!
Jura?! Por quê?
Ah, o de fora vem praticamente editado. Você vai traduzir, fazer algumas adaptações pensando na língua portuguesa, mas não tem a liberdade de cortar um capítulo, mexer nos personagens. Ele veio e você tem que estar contente com o jeito que veio, porque não tem muito o que fazer.
Às vezes o que a gente propõe é incluir um posfácio, um glossário, uma entrevista com o autor, coisas exclusivas só para a nossa edição. Mais para complementar. Então quando a gente avalia um texto de fora, precisamos gostar muito dele, do começo ao fim.
E quando o assunto é autor brasileiro…?
Pode ser um processo de meses, de idas e vindas, o autor manda, eu faço comentários, devolvo, ele mexe e assim vai.
Em média, quanto tempo demora para um livro estrangeiro ficar pronto e para um nacional? Vamos usar o mesmo exemplo prático de antes: Vermelho, branco e sangue azul.
Nós compramos os direitos em junho e ele começou a ser vendido em 4 de novembro. Mas o padrão é um ano. Os livros que estou editando agora foram comprados no ano passado [2018].
No caso dos brasileiros, varia muito. O Enfim, capivaras [livro lançado em junho de 2019 pela Seguinte e que ganhou as manchetes por sofrer um ato de censura], por exemplo, veio praticamente pronto, teve pouquíssima edição. E tem livro que a gente contratou há 3 anos e ainda está no processo de edição, então realmente varia muito.
Vamos às informações práticas nessa logística toda de publicação dos autores brasileiros. Teve todo o processo de conversa com o agente literário, a editora gostou do livro, decidiu publicar e depois? O que acontece?
O autor geralmente recebe um adiantamento sobre os royalties [porcentagem das vendas], o padrão do mercado é 10% em cima do preço de capa. Então só quando a venda daquele título atingir o valor do adiantamento recebido pelo autor, ele vai passar a receber os royalties regularmente.
E o autor recebe esses royalties infinitamente?
Sim, pelo menos até o fim do contrato da editora com o autor. Há contratos em que o autor se compromete a apresentar um próximo título primeiro para aquela editora e, só se ela recusar, ele pode oferecer para outra. No caso da Seguinte, isso não acontece.
A gente acredita muito na competência do nosso trabalho e no fato de que nós queremos formar a carreira do autor, não lançar só um livro e pronto. Então o caminho natural é o autor continuar com a gente.
Quanto tempo, em média, dura um contrato entre autor e editora?
Por volta de 7 anos, e no contrato nacional geralmente tem uma cláusula de renovação automática: se nenhuma das partes cancelar, ele se renova automaticamente por mais X anos.
E qual a tiragem média de um livro de autor nacional, quando não se tem muitas expectativas sobre ele?
Uma tiragem média, de um livro que não é uma aposta, seriam uns três mil exemplares. Se vender isso já é ótimo! Tem editora que faz menos, faz dois [mil], mas menos que isso o livro dificilmente se paga.
A Seguinte costuma ter uma tiragem de quantos livros para um autor iniciante?
Por volta de cinco mil. Por sermos um selo com um perfil mais comercial, é difícil termos tiragens muito menores que isso.
Você mesma acabou de falar que a Seguinte é uma editora mais comercial e quando a gente fala dessa literatura mais vendável, digamos assim, existe ali um padrão de narrativa, personagens. O que torna um livro apelativo comercialmente? O que ele precisa ter de ingredientes, digamos assim?
É muito subjetivo, às vezes você está crente que um livro vai fazer sucesso, mas isso não acontece. E um que você tinha expectativa, mas nada extraordinário, vende pra caramba.
Uma primeira coisa, que ajuda muito o marketing, é você conseguir fazer uma explicação rápida da história, o que a gente chama de “pitch”. Mas são vários fatores, não existe uma fórmula. Capa faz muita diferença. A Seleção é a nossa série best-seller de todos os tempos, e nos eventos a gente sempre pergunta “Como você ficou sabendo?”. Muitos leitores falam que viram a capa, amaram e compraram. [Para a Seguinte é tão importante, que o selo se preocupou em criar uma capa original brasileira para o novo livro da autora da série literária].
Então a gente vê que em alguns casos a capa pode fazer muita diferença. Agora, pensando na trama, por experiência, ter um romance sempre ajuda também, porque os leitores se envolvem. Não é um critério para a gente decidir se vai publicar um livro ou não, a gente até procura títulos que focam outros tipos de relações, como amizade e família.
O que torna o livro comercial é ele ir além do nicho, pegar um público muito amplo. A gente lança alguns livros que são muito bons, mas são muito pra quem gosta de YA, ou pra um leitor jovem. Ele vai vender bem? Vai. Mas não vai extrapolar.
Para ser um sucesso estrondoso, tem que ser lido por desde uma menina de 12 anos até uma senhora de 80. E para isso acontecer, também ajuda o livro ter uma linguagem acessível e envolvente, gostosa de ler, porque assim você consegue ampliar o público. Lembrando que linguagem acessível não é sinônimo de escrita fraca.
Em que momento você, enquanto editora, bate o olho e sabe: esse livro é bom?
O autor que consegue ter uma voz própria é bem valioso. Mas há autores que preferem criar histórias pra você ler compulsivamente. Existem esses dois lados e há livros bons de várias maneiras, tem alguns que são bons pela forma e outros pelo conteúdo. Bons personagens fazem um livro ser bom. Personagens complexos, que não caiam em estereótipos. Tem algumas tramas que já estão batidas, né? Então a trama precisa ser original, fugir dos clichês. Ou pelo menos trazer uma nova roupagem para esses clichês.
O autor tem que pensar na história que faz sentido pra ele contar, não tem que se preocupar com o público, pelo menos não num primeiro momento. Ele tem que ter uma noção de quem é o público dele, isso é importante, mas não pensar em escrever o que o público quer.
Mais do que seguir uma tendência X, é interessante escrever o que te motiva. Outra coisa que torna um livro promissor: ele ser diverso. Durante muito tempo, a maioria dos livros eram de autores brancos escrevendo sobre homens brancos cis héteros. Hoje isso não dá mais, chegou num ponto que os leitores não aceitam e a gente também não quer publicar só isso.
E o que caracteriza o livro ruim?
Ser muito mal escrito. Normalmente, quando é mal escrito, não tem como ser uma história maravilhosa, porque você vê que foi escrita por uma pessoa que não lê muito e não tem um repertório. Antes de escrever o autor tem que ler bastante.
E como você sabe que está diante de um livro que não é ótimo, mas tem potencial?
É quando você identifica aspectos que dá para serem melhorados, basicamente.
Agora falando diretamente com os autores anônimos por aí que, como eu, amam escrever e querem melhorar a qualidade das histórias: quais dicas valiosas você daria para eles?
A primeira coisa é ler muito. Já sabe que tipo de livro você quer escrever? Ótimo, mas não leia apenas aquilo que você quer escrever! Saia da sua zona de conforto, leia outras coisas. Pra quem quer escrever ficção, por exemplo, leia não ficção. Assim, na hora de escrever, você terá ferramentas pra pensar fora da caixa.
Leia livros que são considerados ruins, pra você sentir por que são ruins, por que não funcionam, pra saber o que não fazer. E quando você ler um livro que considera bom, tente identificar o que faz aquele livro funcionar, quais elementos chamaram sua atenção, quais os mecanismos que deram certo ali. Mais do que ler como um leitor, leia como autor mesmo, isso é muito importante.
Outra coisa que eu acho importante: procurar cursos e livros sobre escrita. Tem muito esse mito de que o escritor é um gênio, que tem o talento, que nasceu com o dom da escrita. Pode ter um pouco disso? Talvez. Mas a gente tem que desmistificar essa ideia de autor-gênio, parar de romantizar a figura do escritor.
Ser escritor é muito trabalhoso, é escrever um livro que ficou ruim e então escrever outro, voltar e reescrever tudo, mexer no que não estava bom. Tem muita tentativa e erro, a escrita tem bastante trabalho braçal. Muitos autores best-sellers engavetaram muitos livros, ou só foram fazer sucesso depois de vários livros publicados, muitos até publicados por eles mesmos. É um processo longo.
E, por fim, é muito importante também tentar conhecer um pouco do mercado, para que o autor não chegue muito desinformado. Para nós, é melhor quando ele já sabe o que está sendo feito por outras editoras e outros autores, até pra não cometer erros básicos, saber quais discussões estão sendo feitas.
E quanto a isso, uma dica boa é procurar um agente, que é a pessoa que vai poder dar ao autor uma visão de mercado caso ele não tenha, e que tem o contato mais fácil com as editoras. Isso facilita muito na hora de você conseguir que o editor priorize a avaliação do seu original e não os outros mil que ele tem ali. Ter a ponte de um agente sempre ajuda.
Não dá pra terminar essa conversa sem indicações de livros suas, Nathália. Então, vamos lá: quais títulos a gente não pode deixar de ler?
Olha, de YA eu recomendo muito Por lugares incríveis, da Jennifer Niven; O Sol também é uma estrela, da Nicola Yoon; Quinze dias, do Vitor Martins, um autor que eu amo.
Agora em geral: Orgulho e preconceito, da Jane Austen; os contos do Caio Fernando Abreu, que é um autor que eu sempre penso: “Se eu fosse escritora, queria escrever assim”; e Leminski, um poeta que todo mundo deveria ler.
Alguns contemporâneos que li recentemente e gostei muito foram O sol na cabeça, do Geovani Martins, e Pessoas normais, da Sally Rooney. Dois autores jovens e incríveis.
E por falar neles: indicações de autores?
Ai, pode ser autores que me influenciaram muito?
Claro!
J.K. Rowling. Não tem como não falar de Harry Potter, que foi e ainda é minha maior paixão literária. Machado de Assis. É clichê falar, mas eu gosto muito, lembro que no ensino médio fiquei obcecada… Memórias póstumas de Brás Cubas, gente, é demais! E autoras mais clássicas como Jane Austen e Virginia Woolf.
— Aristóteles e Dante descobrem os segredos do Universo, de Benjamin Alire Sáenz, foi outra dica de leitura que surgiu no meio da nossa conversa.
— Já houve semana em que a Nathália leu 3 livros inteiros!
“Ser editor é estar devendo leituras sempre, não tem como zerar a lista. É impossível, porque chega muita coisa.”
*Esta entrevista aconteceu pessoalmente, antes da pandemia de Covid-19 e das medidas de isolamento social.