O livro Território Lovecraft e a série Lovecraft Country guardam curiosidades, histórias de bastidores e muitos temas sociais pertinentes até hoje
Por Maricota
O livro Território Lovecraft e a série Lovecraft Country. Para entendermos todo o contexto que ampara a adaptação da nova série da HBO, vamos embarcar agora em uma viagem no tempo e na literatura.
Gênero literário pulp foi muito propagado nos anos 1900, devido ao baixo custo de impressão e também por apresentar uma rápida forma de entretenimento.
E se hoje consumimos histórias em quadrinhos, o lugar de nascimento dos cultuados super-heróis, pode ter certeza que elas são uma derivação do gênero pulp.
Revistas pulp tiveram seu auge entre a década de 20 e 50 nos Estados Unidos, devido às crises econômicas e posteriormente, a Segunda Guerra Mundial.
Com o crescimento do mercado editorial, foram expandindo entre os gêneros da fantasia, ação, aventura policial, ficção científica, horror, entre outros.
Weird Tales foi uma das mais famosas revista do gênero. Popular na década de 20, sofria constantes batalhas financeiras, principalmente por competir com a ascensão das histórias em quadrinhos.
A INSPIRAÇÃO
H.P Lovecraft, que se tornaria o grande nome do horror cósmico, gênero no qual intitulava suas obras, publicou diversos de seus contos na revista.
Após sua prematura morte em 1937, o escritor demorou para conquistar sua base de leitores, algo que somente ocorreu com o passar dos anos.
Praticamente impossível falar sobre Território Lovecraft de Matt Ruff sem navegar no universo daquele que o inspirou e que ao mesmo tempo possibilitou refletir sobre o impacto de suas criações e seus defeitos.
“Histórias são como pessoas, Atticus. Nós até podemos amá-las, mas não podemos alegar que são perfeitas. Sempre tentamos enaltecer suas virtudes e relevar seus defeitos, mas isso não faz os defeitos desaparecem.”
Tal afirmação simboliza o que Território Lovecraft tenta nos contar através de sua jornada. Construindo uma balança que pende entre as familiaridades de um específico gênero criativo e as reflexões e críticas sociais, culturais e principalmente, raciais que poderão ser tiradas dela.
Facilmente entendemos o que Tio George quis dizer a seu sobrinho Atticus. Seu amor pelas histórias não deve cegá-lo da verdade por trás delas, neste caso o racismo, antissemitismo, misoginia, entre outros fatores, nos quais H.P Lovecraft carregou ao longo de sua curta vida.
Ascensão da internet e os veículos que nos aproximam e afastam uns dos outros, passamos a enxergar o mundo e as pessoas neles de uma maneira diferente.
Cultura do cancelamento. Quem nunca ouvir falar a respeito do martelo de execução presente no tribunal da internet. Contrário de décadas atrás, hoje tudo está visível e exposto aos nossos olhos.
H.P Lovecraft trazia para dentro de seus contos suas convicções e preconceitos, perpetuados durante a época que viveu, mas ao invés de cancelá-lo hoje, como muitos esperam, é importante confrontar o legado literário deixado por ele.
O LIVRO
Território Lovecraft subverte a origem de sua inspiração, criando uma alegoria fantástica e horripilante que possibilita suas personagens proclamarem o direito à sua ancestralidade, àquilo que lhes pertence e foi arrancado.
Uma família negra em busca de seu passado, cujas armadilhas e eventos inexplicáveis os farão enfrentar monstros da vida real, alguns deles bem familiares às histórias que tanto leram.
Atticus é um jovem veterano recém chegado da Guerra da Coreia. Após viver sem muito sucesso em Jacksonville, Flórida, pega seu Cadillac rumo ao lado sul de Chicago. Seu retorno a sua cidade natal é justificado através da enigmática carta que recebe de seu pai.
Dentre memórias do passado, reencontra com Tio George e juntos recordam o amor que a família nutre pela literatura, especial pelo gênero pulp.
Interessante ressaltar as lembranças das ardentes discussões entre Atticus e seu Pai, Montrose, que afirmava que todos os autores que o filho venerava eram predominantemente brancos, muitas vezes dificultando separar a obra e o racismo carregado por eles.
Montrose sempre fora obcecado sobre a origem da família de sua esposa Dora e seu repentino sumiço, após ser visto entrando no carro de um jovem homem branco, levanta mais suspeitas sobre o que realmente aconteceu com ele.
Direcionados a Ardham, Massachusetts, o livro faz menção ao território fantástico, palco de diversas histórias de Lovecraft. Atticus e George partem em busca do paradeiro de Montrose.
Letitia, amiga de infância de Atticus, inicialmente os acompanha até metade do caminho, porém o curso da jornada os leva a lugares que apenas a imaginação deles havia frequentado.
Ambientado nos anos 50, no auge das leis Jim Crow, em que os negros passam da escravidão para a segregação. Atticus, George e Letita enfrentam o que todo negro enfrentou durante aquela época e brutalmente ainda enfrentam nos dias de hoje.
Tio George, abnegado e corajoso, considerando o risco por trás de seu trabalho, é dono de uma agência de viagens para negros. Viajando em busca de estabelecimentos que os aceitem, publica regularmente o Guia do Negro Precavido.
Seu trabalho possibilita caminhos seguros para famílias e indivíduos transitarem, diminuindo os riscos de serem linchados e até mortos ao longo do caminho.
Dividido em contos, que por ventura se interligam, conhecemos suas interessantes e intrigantes personagens, cada qual navegando em seu próprio horror fantástico, sem por vezes saber o quanto tudo que vivem está relacionado.
De Ruby, meia-irmã de Letita até Hyppolita, esposa de George, Território Lovecraft reescreve a história de suas personagens, dando-as total controle de suas narrativas e escolhas.
A SÉRIE
Território Lovecraft e seu realismo fantástico recentemente ganhou vida no formato de série no gigante canal HBO.
Provando ser muito mais do que televisão, a produção traz Misha Green como showrunner da série.
Elogiada pela crítica ao cocriar Underground, drama de época que explorou as rotas secretas criadas negros durante a escravidão nos Estados Unidos, mais especificamente no estado da Georgia.
Lovecraft Country potencializará o talento desta jovem mulher negra como showrunner de uma grandiosa adaptação e a liberdade a ela concebida para explorar, aprofundar e reinventar um pouco mais o que foi apresentado no livro.
J.J Abrams e Jordan Peele fazem parte da equipe como produtores executivos. Considerando o que Peele trouxe com os excelentes Corra! e Nós, já podemos sentir um pouco do que a produção pretende trazer para as telinhas.
Com dois episódios exibidos, ficou claro, principalmente se conhece um pouco da visão de Misha Green, o tom e as distintas camadas criadas através de seu texto e daqueles que compõem a mesa de roteiristas.
Riquíssimas e relevantes referências são colocadas ao longo dos episódios, sejam elas a recriar fotos marcantes que ocorreram naquela época ou mesmo a utilização de discursos.
James Baldwin, escritor e ativista, no episódio piloto “Sundown” ou o poema “Whitey on the Moon” de Gil Scott-Heron, que dá nome ao segundo episódio e crítica que enquanto o governo e a NASA enviava homens a Lua, a população negra era marginalizada.
Roteiro de Lovecraft Country canaliza toda e qualquer chance de expor o racismo sistemático e a supremacia branca fincada na sociedade norte-americana, porém eleva a excelência preta, mostrando o poder da família e das relações que os fortalece.
Como Tio George sabiamente diz: “Nunca deixe que eles deixem você duvidar de si mesmo. É assim que eles vencem. Querem nos enlouquecer, nos aterrorizar, nos amedrontar.”
Precisamente escolhido, o elenco conta com os veteranos Courtney B. Vance e Michael Kenneth Williams como George e Montrose, porém os nomes que deverão ser aclamados, inclusive dois dos meus atores favoritos atualmente, são Jonathan Majors (O Último Homem Negro em São Francisco) como Atticus e Jurnee Smollett (Underground e Aves de Rapina) como Letita.
Lovecraft Country vai ao ar todos os domingos na HBO Brasil e terá dez episódios para concluir sua monstruosa e brilhante jornada.
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