Lista de livros da Fuvest apenas com autoras: por que ler mulheres incomoda tanto?

E não é que a nova lista de livros da Fuvest deu o que falar? Adivinha por que: ela é composta exclusivamente por histórias escritas por mulheres

Por Willians Glauber

Reparação história: um acerto de contas, uma compensação justa, um equilíbrio de forças, justiça social. Reparar as injustiças e os apagamentos evidentes na História não é uma tarefa fácil, no entanto, a cada dia, mês, ano, década e século ela vem se mostrando mais do que necessária, essencial.

E quando a Fuvest, sigla para Fundação Universitária para o Vestibular,  organizadora de um dos maiores vestibulares do país, toma a decisão de reformular a lista de leituras obrigatórias para a prova e a compõe exclusivamente de mulheres, isso é reparação histórica.

Desde que foi fundada, em 1976, a fundação vem obrigando os vestibulandos a lerem obras quase que exclusivamente de autores homens. Dado o fato de que o Brasil é um país majoritariamente feminino (são 104,5 milhões de mulheres, o que equivale a 51,5% da população de acordo com o IBGE), é mais do que justa a iniciativa de obrigar os futuros estudantes de graduação da USP a lerem apenas mulheres para a prova de vestibular.

Desde que a decisão foi anunciada em novembro de 2023 é possível encontrar opiniões díspares entre os especialistas, muitas deles em oposição à empreitada e até mesmo uma carta aberta de professores da universidade contra a nova prerrogativa.

Vale lembrar que a mudança valerá para as edições que vão de 2026 e 2028 do vestibular da USP. A partir de 2029 autores homens voltam para a lista, que inclusive terá quatro obras escritas por autoras e autores negros.

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Autoras femininas clássicas: um demérito?
Por que seria demeritório instaurar uma lista de livros escritos exclusivamente por escritoras para uma prova que desde a sua primeira edição vem privilegiando nomes masculinos tidos como clássicos da Literatura brasileira? Não existem apenas clássicos literários brasileiros escritos por homens, ok?

Ou por acaso podemos afirmar que nomes como Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Lygia Fagundes Telles e Rachel de Queiroz não produziram obras clássicas que permearão a lista de leituras concluídas de brasileiros daqui séculos?

Para entender essa movimentação extremamente bem-vinda da Fuvest, primeiro é preciso entender as transformações sob as quais estamos vivendo já há alguns anos.

O papel transformador da mulher em diversas áreas da sociedade, o que não exclui a literatura, foi invizibilizado por tempo demais. É chegada a hora de esse apagamento terminar e de os homens darem um passo para trás a fim de criar a oportunidade merecida para que as mulheres tomem à frente.

Por tempo demais tivemos protagonistas masculinos nos romances. Histórias de ficção sob a ótica masculina temos aos montes, abordagens masculinas e masculinizadas feitas por autores homens há aos milhares na literatura brasileira.

O leitor contemporâneo atento ao seu entorno está ávido por diversidade, por novos olhares, o que inclui uma visão feminina sobre temas que até pouco tempo atrás eram abordados exclusivamente por homens.

Até aqui, esse privilegiar da visão masculina na literatura só contribuiu para uma visão de mundo e de sociedade sob um viés do patriarcado, do machismo, da misoginia e por diversas vezes do retrocesso.

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Diga-se de passagem, os críticos à iniciativa da Fuvest são em sua maioria homens, olhe só que surpresa! Por que uma obrigatoriedade para se ler mulheres (e temporária, vale ressaltar) incomoda tanto, quando até aqui se obrigou os vestibulandos a lerem homens?

Seria esse incômodo todo diante da iniciativa um medo velado sentido pelos homens ao se darem conta de que a hegemonia masculina branca na sociedade de forma geral está em xeque? Fica aqui a reflexão.

Torçamos para que as listas de livros obrigatórios de vestibulares como a da Fuvest sejam cada vez mais diversas, com mulheres, cis e trans, pessoas gordas, pretas, PCDs… Não existe progresso verdadeiro longe do progressismo.

E para encerrar essa reflexão, deixo aqui a fala potente de Maria Arminda do Nascimento Arruda, presidente do Conselho Curador da FUVEST e Vice-Reitora da USP:
“Muitas delas [autoras] foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”.

Você pode conferir a matéria completa sobre a mudança na lista de leituras obrigatórias da Fuvest no site da fundação, aqui.

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O jornal da USP fez um compilado sobre cada uma das autoras escolhidas:

Nísia Floresta (1810-1885)
Nísia Floresta

Nísia Floresta Brasileira Augusta foi o pseudônimo escolhido por Dionísia Gonçalves Pinto, considerada a primeira educadora e jornalista feminista do Brasil. Nascida no Rio Grande do Norte, essa escritora em prosa e verso denunciou também as injustiças cometidas contra os negros escravizados e os indígenas brasileiros.

Narcisa Amália (1852-1924)
Narcisa Amália

Narcisa Amália de Campos foi uma educadora, poetisa e jornalista brasileira – primeira mulher a trabalhar profissionalmente como jornalista no Brasil. Dona de uma das poucas vozes femininas de sua época a trabalhar a ideia de identidade nacional, foi também antiescravista e republicana. Sua obra mereceu comentários elogiosos de Machado de Assis e de Pedro II.

Julia Lopes de Almeida (1862-1934)
Julia Lopes de Almeida

Escritora, cronista e teatróloga, Júlia Lopes de Almeida foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, a primeira mulher na ABL e de cuja lista de fundadores foi posteriormente excluída para manter a Academia exclusivamente masculina. Em seu lugar, foi incluído o nome do poeta português Filinto de Almeida, seu marido, popularmente conhecido como o “acadêmico consorte”. Também foi uma das precursoras da literatura infantil no Brasil.

Rachel de Queiroz (1910-2003)
Rachel de Queiroz

Primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a receber o Prêmio Camões, Rachel de Queiroz é uma autora de destaque da literatura social nordestina. Extremamente hábil na análise psicológica de seus personagens, a autora estreou na literatura aos 19 anos.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
Sophia de Mello Breyner Andresen

Poetisa, contista e escritora de literatura infantil, Sophia de Mello Breyner Andresen foi proveniente de uma família de origem aristocrática portuguesa. Acreditava que a poesia representava um valor transformador fundamental e que era algo que lhe acontecia, como afirmara antes dela Fernando Pessoa. Foi agraciada com o Prêmio Camões, tendo sido a segunda mulher a recebê-lo.

Clarice Lispector (1920-1977)
Clarice Lispector

De origem ucraniana, Chaya Pinkhasivna Lispector emigrou para o Brasil em 1922 com seus familiares em razão da perseguição sofrida pelos judeus ucranianos em sua terra natal. A romancista e contista apresenta, em sua obra, traços bastante específicos como a ruptura com a narrativa factual, o uso intenso de um fluxo de consciência na escrita e o uso intenso de metáforas insólitas, como sublinhou Alfredo Bosi.

Lygia Fagundes Telles (1918-2022)
Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles destacou-se como contista, embora tenha sido, também, uma importante romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi a segunda brasileira laureada com o Prêmio Camões e foi reconhecida, ainda em vida, como uma escritora primorosa por seus pares nacionais e internacionais, que a alcunharam “a grande dama da literatura brasileira”.

Conceição Evaristo (1946- )Conceição Evaristo - foto de Rafael Arbex, EstadãoFoto de Rafael Arbex, Estadão

Poeta, contista e romancista brasileira, Maria da Conceição Evaristo de Brito aborda em suas obras temas de grande relevo social, como a discriminação racial, de gênero e social, sendo considerada uma importante representante do movimento Pós-Modernista no Brasil. Professora universitária, Conceição Evaristo tomou posse, em 2022, como responsável pela Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do Instituto de Estudos Avançados da USP. Cunhou a expressão escrevivência para descrever o processo criativo de sua obra.

Paulina Chiziane (1955- )
Paulina Chiziane

Moçambicana, nascida no subúrbio de Maputo, Paulina Chiziane iniciou, mas não concluiu, o curso universitário de Letras (linguística). Com uma atuação política destacada em seu país durante o período da independência, a autora se afastou da política e passou a se dedicar à literatura, passando a viver na província de Zambézia, para onde se retirou ao se afastar da política. Primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, foi também a primeira mulher africana agraciada com o Prêmio Camões.

Djaimilia Pereira de Almeida (1982- )

Ana Djaimilia dos Santos Pereira de Almeida Brito é a pessoa mais jovem a figurar na lista de leitura obrigatória da Fuvest. Nascida em Angola, a autora passou boa parte de sua vida em Portugal, onde se licenciou em Estudos Portugueses e obteve o título de Doutora em Teoria da Literatura. Atualmente, é Professora da New York University. Foi vencedora do Prêmio Oceanos, tendo sido finalista em outras oportunidades.

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